Porque eu quero a misericórdia, e näo o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos (Oséias 6:6)
Porque eu quero a misericórdia, e näo o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos (Oséias 6:6)
É
necessário fazer uma auto-análise sincera neste ponto. Somos, talvez,
evangélicos ortodoxos. Podemos explicar o evangelho com clareza e podemos
sentir o cheiro de doutrina falsa a quilômetros de distância. Se alguém nos
perguntar como os homens podem conhecer a Deus, de imediato apresentamos a
fórmula certa: que chegamos ao conhecimento de Deus mediante Jesus Cristo, o
Senhor, graças à cruz e a sua mediação, confiados nas promessas de sua palavra,
pelo poder do Espírito Santo, por meio do exercício pessoal da fé.
Entretanto, o amor, a alegria, a bondade, a liberdade de espírito, que constituem
as marcas de quem conhece a Deus, são raras em nosso meio mais raras talvez
do que em outros círculos cristãos, onde, se fizermos uma comparação, a verdade
do evangelho não é conhecida com tanta clareza e tão completamente. Aqui também
pareceria que os últimos poderiam ser os primeiros e os primeiros, os últimos.
Um pequeno conhecimento de Deus vale bem mais que um grande conhecimento
a respeito dele.
Pode-se saber bastante
sobre Deus sem conhecê-lo muito. Tenho a certeza de que
muitos de nós nunca pensamos realmente nisto. Descobrimos em nós um profundo
interesse pela teologia. Lemos livros de exposição teológica e apologética;
aprofundamo-nos na história cristã e estudamos o credo cristão; aprendemos a
descobrir nosso caminho nas Escrituras.
Outros apreciam nosso interesse por essas coisas e
somos convidados a dar nossa opinião em público a respeito de diversas questões
cristãs, a dirigir grupos de estudo, escrever artigos, fazer conferências e
geralmente aceitar responsabilidade, formal ou informal, de agir como mestres e
árbitros da ortodoxia em nosso círculo cristão. Nossos amigos nos dizem como
apreciam essa contribuição e isso nos leva a explorar mais ainda as verdades de
Deus, de modo a podermos atender às exigências que nos fazem.
Tudo isso
é muito bom. Entretanto, o interesse em teologia conhecimento sobre Deus
e a capacidade de pensar com clareza e falar bem sobre temas cristãos não são
o mesmo que conhecer a Deus.
Conhecer a Deus é uma questão pessoal, como
acontece com qualquer relacionamento humano. Conhecê-lo é mais que obter conhecimento sobre ele; é relacionar-se com
ele enquanto se revela a você; é ser dirigido por Ele. Conhecê-lo é uma
precondição para confiar nele ("E como alguém pode ter fé no Senhor se não
ouvir falar dele?" Rm 10:14), mas
a extensão de nosso conhecimento a seu respeito não pode servir de medida para
a profundidade do conhecimento real.
John Owen e João Calvino sabiam mais teologia do que John Bunyan ou Billy
Bray, mas quem poderá negar que os últimos conheciam seu Deus tão bem quanto os
primeiros? (Os quatro, é claro, eram profundos pesquisadores da Bíblia). Se o
fator decisivo fosse o conhecimento da doutrina, naturalmente os maiores estudiosos
da Bíblia conheceriam a Deus melhor que os outros. Mas não é isso o que
acontece; você pode guardar na mente a doutrina correta, sem jamais provar em
seu coração suas realidades.
O simples leitor da Bíblia e ouvinte de sermões cheio do Espírito Santo
desenvolverá um relacionamento mais profundo com seu Deus e Salvador que o
estudioso mais erudito que se contenta apenas por estar teologica-mente
correto. A razão disto é que o primeiro entrará em contato com Deus a
respeito da aplicação prática da verdade em sua vida, enquanto o último não
terá tanto essa preocupação (1Jo 2:4; cf. v. 9,11; 3:6,11; 4:20).
Conhecer a Deus é uma questão de envolvimento pessoal que
abrange a mente, a vontade e os sentimentos. Caso contrário, não seria um
relacionamento completo de fato. Para conhecer outra pessoa você
precisa envolver-se com seus interesses, procurar sua companhia e estar pronto
a se identificar com suas preocupações. Sem isso seu relacionamento com ela será
apenas superficial e insípido. "Provem, e vejam como o Senhor é bom", diz o salmista (Sl
34:8). "Provar", como bem sabemos, é "experimentar" um
pedaço de alguma coisa com a intenção de apreciar o sabor. Um prato pode
parecer delicioso e ser bem recomendado pelo cozinheiro, mas não saberemos suas
reais qualidades enquanto não o provarmos.
Do mesmo modo não conheceremos as reais qualidades de alguém enquanto não
tivermos "experimentado" sua amizade. Os amigos estão, figuradamente,
comunicando sabores um ao outro todo o tempo, seja quando compartilham atitudes
(pense nas pessoas que se amam) seja em relação a interesses comuns. À medida
que abrem o coração um ao outro, pelo diálogo ou pelas ações, um
"prova" as qualidades do outro, na alegria ou na tristeza. Eles se
identificaram com as preocupações mútuas, envolvendo-se, portanto, pessoal e
emocionalmente nelas. Sentem e pensam um no outro. Trata-se de um aspecto
essencial do conhecimento entre amigos, e o mesmo se aplica ao conhecimento do
cristão sobre Deus, o qual, como já vimos, é em si mesmo um relacionamento
entre amigos.
O cristão se alegra quando Deus é honrado e vindicado e
sente profunda angústia quando o vê escarnecido. Quando Barnabé chegou a
Antioquia "vendo a graça de Deus, ficou alegre" (At 11:23), ao
contrário do salmista, que escreveu "Rios de lágrimas correm dos meus
olhos, porque a tua lei não é obedecida" (Sl 119:136).
O HOMEM DEVE UNIR-SE A DEUS
É necessário esclarecermos que até aqui, diante de tudo o que lemos, temos
apenas nos aproximado racionalmente do insondável abismo de luz que é Deus; nós
o temos contemplado tão-somente de fora, da superfície. O mistério jaz à nossa
frente, como um desafio.
Todavia, temos certeza de que tudo o que nos foi revelado sobre ele tem
servido para nos conscientizar de que a grande finalidade da vida humana é
buscar a Deus, é temer o seu nome e guardar seus mandamentos (Eclesiastes
12:13). Essa busca deve transportar o homem para além do conhecimento estéril,
e conduzi-lo à fé. O crente sincero deve "buscar a face de Deus",
instruindo-se a respeito do Senhor e de suas perfeições (Salmo 105:4), sabendo,
porém, que nenhum mortal terá de Deus um conhecimento direto, imediato e
pessoal. Só a alma glorificada nos altos céus o verá face a face.
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