sábado, 17 de dezembro de 2016

Conhecimento retórico versus conhecimento real



Porque eu quero a misericórdia, e näo o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos” (Oséias 6:6)
É necessário fazer uma auto-análise sincera neste ponto. Somos, talvez, evangélicos ortodoxos. Podemos explicar o evangelho com clareza e podemos sentir o cheiro de doutrina falsa a quilômetros de distância. Se alguém nos perguntar como os homens podem conhecer a Deus, de imediato apresentamos a fórmula certa: que chegamos ao conhecimento de Deus mediante Jesus Cristo, o Senhor, graças à cruz e a sua mediação, confiados nas promessas de sua palavra, pelo poder do Espírito Santo, por meio do exercício pessoal da fé.
Entretanto, o amor, a alegria, a bondade, a liberdade de espírito, que constituem as marcas de quem conhece a Deus, são raras em nosso meio — mais raras talvez do que em outros círculos cristãos, onde, se fizermos uma comparação, a verdade do evangelho não é conhecida com tanta clareza e tão completamente. Aqui também pareceria que os últimos poderiam ser os primeiros e os primeiros, os últimos. Um pequeno conhecimento de Deus vale bem mais que um grande conhecimento a respeito dele.
    Pode-se saber bastante sobre Deus sem conhecê-lo muito. Tenho a certeza de que muitos de nós nunca pensamos realmente nisto. Descobrimos em nós um profundo interesse pela teologia. Lemos livros de exposição teológica e apologética; aprofundamo-nos na história cristã e estudamos o credo cristão; aprendemos a descobrir nosso caminho nas Escrituras.
Outros apreciam nosso interesse por essas coisas e somos convidados a dar nossa opinião em público a respeito de diversas questões cristãs, a dirigir grupos de estudo, escrever artigos, fazer conferências e geralmente aceitar responsabilidade, formal ou informal, de agir como mestres e árbitros da ortodoxia em nosso círculo cristão. Nossos amigos nos dizem como apreciam essa contribuição e isso nos leva a explorar mais ainda as verdades de Deus, de modo a podermos atender às exigências que nos fazem.
Tudo isso é muito bom. Entretanto, o interesse em teologia — conhecimento sobre Deus — e a capacidade de pensar com clareza e falar bem sobre temas cristãos não são o mesmo que conhecer a Deus.



Conhecer a Deus é uma questão pessoal, como acontece com qualquer relacionamento humano. Conhecê-lo é mais que obter conhecimento sobre ele; é relacionar-se com ele enquanto se revela a você; é ser dirigido por Ele. Conhecê-lo é uma precondição para confiar nele ("E como alguém pode ter fé no Senhor se não ouvir falar dele?" Rm 10:14), mas a extensão de nosso conhecimento a seu respeito não pode servir de medida para a profundidade do conhecimento real.

John Owen e João Calvino sabiam mais teologia do que John Bunyan ou Billy Bray, mas quem poderá negar que os últimos conheciam seu Deus tão bem quanto os primeiros? (Os quatro, é claro, eram profundos pesquisadores da Bíblia). Se o fator decisivo fosse o conhecimento da doutrina, naturalmente os maiores estudiosos da Bíblia conheceriam a Deus melhor que os outros. Mas não é isso o que acontece; você pode guardar na mente a doutrina correta, sem jamais provar em seu coração suas realidades.


O simples leitor da Bíblia e ouvinte de sermões cheio do Espírito Santo desenvolverá um relacionamento mais profundo com seu Deus e Salvador que o estudioso mais erudito que se contenta apenas por estar teologica-mente correto. A razão disto é que o primeiro entrará em contato com Deus a respeito da aplicação prática da verdade em sua vida, enquanto o último não terá tanto essa preocupação (1Jo 2:4; cf. v. 9,11; 3:6,11; 4:20).

Conhecer a Deus é uma questão de envolvimento pessoal que abrange a mente, a vontade e os sentimentos. Caso contrário, não seria um relacionamento completo de fato. Para conhecer outra pessoa você precisa envolver-se com seus interesses, procurar sua companhia e estar pronto a se identificar com suas preocupações. Sem isso seu relacionamento com ela será apenas superficial e insípido. "Provem, e vejam como o Senhor é bom", diz o salmista (Sl 34:8). "Provar", como bem sabemos, é "experimentar" um pedaço de alguma coisa com a intenção de apreciar o sabor. Um prato pode parecer delicioso e ser bem recomendado pelo cozinheiro, mas não saberemos suas reais qualidades enquanto não o provarmos.

Do mesmo modo não conheceremos as reais qualidades de alguém enquanto não tivermos "experimentado" sua amizade. Os amigos estão, figuradamente, comunicando sabores um ao outro todo o tempo, seja quando compartilham atitudes (pense nas pessoas que se amam) seja em relação a interesses comuns. À medida que abrem o coração um ao outro, pelo diálogo ou pelas ações, um "prova" as qualidades do outro, na alegria ou na tristeza. Eles se identificaram com as preocupações mútuas, envolvendo-se, portanto, pessoal e emocionalmente nelas. Sentem e pensam um no outro. Trata-se de um aspecto essencial do conhecimento entre amigos, e o mesmo se aplica ao conhecimento do cristão sobre Deus, o qual, como já vimos, é em si mesmo um relacionamento entre amigos.

O cristão se alegra quando Deus é honrado e vindicado e sente profunda angústia quando o vê escarnecido. Quando Barnabé chegou a Antioquia "vendo a graça de Deus, ficou alegre" (At 11:23), ao contrário do salmista, que escreveu "Rios de lágrimas correm dos meus olhos, porque a tua lei não é obedecida" (Sl 119:136).

O HOMEM DEVE UNIR-SE A DEUS
É necessário esclarecermos que até aqui, diante de tudo o que lemos, temos apenas nos aproximado racionalmente do insondável abismo de luz que é Deus; nós o temos contemplado tão-somente de fora, da superfície. O mistério jaz à nossa frente, como um desafio.
Todavia, temos certeza de que tudo o que nos foi revelado sobre ele tem servido para nos conscientizar de que a grande finalidade da vida humana é buscar a Deus, é temer o seu nome e guardar seus mandamentos (Eclesiastes 12:13). Essa busca deve transportar o homem para além do conhecimento estéril, e conduzi-lo à fé. O crente sincero deve "buscar a face de Deus", instruindo-se a respeito do Senhor e de suas perfeições (Salmo 105:4), sabendo, porém, que nenhum mortal terá de Deus um conhecimento direto, imediato e pessoal. Só a alma glorificada nos altos céus o verá face a face.

“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”     (Romanos 12:2)

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